Apetecia-me engolir o mundo. Assim perceberia a indisposição e o enjoo que insiste em aparecer de quando a quando. Apetecia-me tornar tudo relativo e pouco importante, avançar o tempo enquanto partia todos os relógios para que passassem na faringe sem o tic-tac irritante que dá horas para se ser sempre mais, maior, melhor. Apetecia-me deixar de me preocupar com aquilo que ninguém me pede para que me preocupe com, mas que toda a gente espera que me preocupe com. Como usar proposições no final das frases, senti-las incompletas, mas as mais completas porque assim o desejei. Apetecia-me que o tempo passasse de uma vez só, que tudo fosse tão rápido e tão lento ao mesmo tempo, que as tatuagens opostas se tocassem para criar a liberdade que voa nas costelas. Apetecia-me ser eu, de novo, e engolir o mundo que não fosse o meu. Sendo o meu aquele que li e que se faz num carro, num quarto de hotel sujo ou nas traseiras de uma livraria dos anos cinquenta. Cresci a achar que era esse o meu mundo e assim foi, por vezes, quando não deixei entrar quem não esteve lá. Agora, apetecia-me engolir quem não viveu nesses sítios por onde andei, porque pertence ao mundo que não é o meu.